Ciência Aberta: compartilhamento e transparência na pesquisa e sua divulgação

O procedimento que tem sido conhecido como “ciência aberta” – uma mudança cultural no modo do fazer científico – é algo que vem se alastrando pouco a pouco no Brasil e no mundo. No Editorial (17.1), Bakhtiniana adere à ciência aberta, os autores (BRAIT et al), membros do Conselho Editorial do periódico, mapeiam a maior parte dessas alterações nas ciências humanas, mais especialmente nas ciências da linguagem.

No início do texto, uma das epígrafes já oferece ao leitor uma definição bastante instigante a respeito do que seja a “ciência aberta”: “é ciência com uma face humana”. São palavras de Frank Miedema, entusiasta do procedimento e presidente do Open Science Programme da Utrecht University, universidade holandesa fundada em 1636, instituição que destaca o conceito na página inicial de sua apresentação na web: “Com mentes abertas, atitudes abertas e ciência aberta, juntamos forças para criar soluções para o amanhã”

Tais dizeres claramente subentendem uma crítica a possível hermetismo do trabalho científico, ao menos aos olhos do não especialista. E, nesse aspecto, a ciência aberta se pretende realmente mais democrática. Mas são Abel Packer e Solange Santos (2019) que explicitam melhor objetivos e constituição da ciência aberta: “[Ela] pleiteia uma transformação considerável essencialmente enriquecedora do tradicional modus operandi de fomentar, projetar, realizar e, particularmente, comunicar pesquisa. O objetivo é privilegiar a natureza colaborativa da pesquisa e democratizar o acesso e uso do conhecimento científico”.

Para chegar às definições e características da ciência aberta, o Editorial destaca aspectos próprios da área de Letras que desde há muito prioriza a produção científica expressa em livros, mas que, nos últimos tempos, tem se mobilizado ativamente no sentido de maior aceitação e valorização dos periódicos científicos. Nesse sentido, o texto se inicia com um breve retrospecto dos caminhos seguidos pela área na divulgação de sua produção científica; a seguir, retoma o conceito de ciência aberta, ressaltando suas principais dimensões: os dados abertos, pesquisa e inovação aberta, acesso aberto e ciência cidadã. O leitor compreende melhor, então, como o novo procedimento tem potencial para fortalecer a colaboração e o compartilhamento da pesquisa e aumentar a efetividade e produtividade do conhecimento de modo transparente e democrático para além da academia.


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O texto tem o cuidado de esclarecer novos aspectos e procedimentos editoriais exigidos pela adesão do periódico à ciência aberta, como a questão do acesso aberto, dados abertos, fontes abertas, preprints, repositório de preprints (sua diferença em relação ao ahead of print), entre outros. Um dos aspectos que mais pode impactar o leitor (ou talvez o autor) é a publicação dos pareceres recebidos pelos artigos aprovados, quando autor e parecerista(s) concordam em fazê-lo.

Dessa forma, assumindo a open science ainda como uma experiência em desenvolvimento, a revista lista todos os elementos que sofreram alteração no periódico, tanto nas condições de submissão quanto no encaminhamento e avaliação dos artigos pelos pareceristas. Num balanço final nesta primeira parte, o Editorial mostra a tensão ainda existente na recepção do modus operandi da open science entre nós: em apenas três dos oito artigos do número os pareceristas autorizaram a publicação dos pareceres, publicados ao final dos artigos.

Entre os artigos publicados neste número, gostaríamos de destacar dois: um eminentemente teórico (As particularidades da palavra, o privilégio da língua: especificidades e primazia do linguístico, em Volóchinov e Benveniste), assinado por Valdir do Nascimento Flores (UFRGS), Carlos Alberto Faraco (UFPR) e Filipe Almeida Gomes (PUC-PG); e outro com uma inovadora análise discursiva (Intermidialidade e intericonicidade: um diálogo possível?), de João Kogawa, Ana Luiza Ramazzina-Ghirardi, Renato Nunes dos Santos – todos da UNIFESP.

Enfim, ao abrir a pesquisa, os dados, os pareceres, Bakhtiniana aposta na ciência aberta como oportunidade de potencialização do diálogo entre ciência e sociedade. “Em qualquer momento do desenvolvimento do diálogo existem massas imensas e ilimitadas de sentidos esquecidos…”, afirmava Mikhail Bakhtin (2017, p.79), ao tratar da metodologia das ciências humanas. Nesse sentido, os novos procedimentos podem realmente proporcionar e facilitar o compartilhamento e colaboração entre os pesquisadores, com vistas à melhor compreensão dos sentidos que permeiam nossa vida e nosso tempo.