A busca por literatura científica: como os leitores descobrem conteúdos

Por Lilian Nassi-Calò
Foto: Mark Deckers.

Foto: Mark Deckers.

A Internet definitivamente mudou a forma pela qual a literatura acadêmica é publicada e disponibilizada. Se houve um aumento substancial das fontes de informação, este foi acompanhado pelo surgimento de inúmeras possibilidades de busca e localização da literatura. Motores de busca, bases de dados, indexadores, agregadores, sites Web do periódico e/ou do publisher, redes sociais, ferramentas para comentar e compartilhar publicações e muitos outros foram criados e aperfeiçoados ao longo do tempo, oferecendo aos leitores várias formas de chegar aos mesmos conteúdos. Pouco se sabe, entretanto, sobre os hábitos de busca de leitores da literatura científica – como acadêmicos, pesquisadores, estudantes, professores e profissionais buscam e selecionam conteúdos de seu interesse em meio à sobrecarga de informação disponível.

Um estudo pormenorizado de autoria de Tracy Gardner e Simon Inger, especialistas em publicação e gestão de periódicos científicos, publicado em março de 20161, teve por objetivo preencher esta lacuna. Através de uma pesquisa online realizada com mais de 40 mil leitores entre outubro e dezembro de 2015 em todo o mundo, foi possível aos autores traçar um vasto panorama dos hábitos de leitura dos entrevistados. A pesquisa acrescenta conhecimento a estudos anteriores nos mesmos moldes desenvolvidos pelos autores em 2005, 2008 e 2012, e permite comparar a evolução do comportamento dos leitores nos últimos dez anos. Ademais, a pesquisa incluiu dados sobre a área do conhecimento, país, nível acadêmico e setor dos entrevistados, o que possibilitou traçar um perfil de comportamento de acordo com estas variáveis.

É importante notar, entretanto, que apesar da diversidade de respondentes, os resultados das pesquisas de 2012 e 2015 foram normalizados para se adequar às amostras demográficas de 2005 e 2008. Assim, os resultados destes dez anos são, predominantemente, de pesquisadores acadêmicos nas áreas de ciência, tecnologia e medicina, trabalhando em países da Europa e nos Estados Unidos.

Um resultado importante é que enquanto bases bibliográficas seguem sendo a fonte mais relevante, sua importância vem diminuindo desde 2008, perdendo lugar para motores de busca acadêmicos, redes sociais e serviços de agregadores como EBSCO, ProQuest e JStor. Serviços de bibliotecas ganharam relevância em 2012 e vem mantendo sua posição. Apesar de desaconselhados por bibliotecários, fontes veiculadas pelos próprios periódicos e/ou seus publishers vem crescendo em importância através das áreas, setores e perfis de países.

Quando se avalia a tendência por área do conhecimento, acadêmicos de países de alta renda em ciências da vida mostram preferência por bases bibliográficas (tipicamente PubMed), apesar de pequena diminuição em comparação com 2012, seguido de motores de busca acadêmicos. Nesta população, redes sociais, agregadores e fontes controladas pelo publisher mostram aumento no mesmo período. Analisando esta comparação com a área de Humanidades (também entre acadêmicos de países de alta renda), observa-se um quadro bastante diverso. Entre 2012 e 2015, apenas as redes sociais tiveram aumento de importância, permanecendo, entretanto, em nível baixo frente a bases bibliográficas, agregadores, serviços de biblioteca e motores de busca acadêmicos.

Apesar da ligeira queda de importância entre 2012 e 2015 em algumas áreas como ciências da vida, medicina, engenharia e ciências da terra, as bases bibliográficas seguem sendo a fonte mais utilizada por acadêmicos em todo o mundo, crescendo de importância em física e astronomia e ciências da computação. As redes sociais, por outro lado, ainda não ocupam uma posição de destaque na busca por literatura, porém mostram significativo aumento de importância a partir de 2012 em todas as áreas do conhecimento.

Os sites de periódicos e publishers cresceram de importância entre 2012 e 2015 em todas as áreas do conhecimento, notavelmente em agricultura, ciências da terra, engenharia, física, ciências da vida, medicina e ciências sociais. Este crescimento pode ser atribuído a ações de marketing dos publishers principalmente através de redes sociais, que realizaram melhorias nos sistemas de busca de seus portais, atraindo principalmente pesquisadores.

Avaliando a preferência de profissionais não acadêmicos como o setor médico, de governo e corporativo, a preferência recai principalmente nas bases de dados bibliográficas, motores de busca acadêmicos e sites de publishers e de periódicos.

Quando se analisa a preferência por área geográfica, nota-se comportamentos bastante distintos. Acadêmicos da Ásia, África e América do Sul ranqueiam sites de publishers, motores de busca acadêmicos e bases bibliográficas no mesmo patamar de importância. Por outro lado, seus pares na Europa e Estados Unidos consideram os primeiros menos importantes em relação aos outros dois. Bases bibliográficas são a principal fonte de consulta entre acadêmicos na América do Sul. Agregadores são menos relevantes na Europa do que nos EUA, e redes sociais são menos importantes na Europa e América do Norte do que nas demais regiões, presumivelmente devido a disponibilidade de textos completos em acesso livre nestes sites. Esta observação vai ao encontro da preferência destas fontes especialmente em países de baixa e média renda, assim como sites de publishers e de periódicos.

O quadro abaixo relaciona as fontes preferenciais utilizadas por pesquisadores da América do Sul para buscar artigos em 2015 (em ordem decrescente de importância):
Base de dados bibliográfica
Motor de busca acadêmico
Site do publisher
Agregador
Motor de busca geral
Site do periódico
Serviços de biblioteca
Alertas de periódicos
Redes sociais gerais e acadêmicas
Site de sociedade científica


Quanto à utilização de motores de busca, a pesquisa revela que em 2015 apenas o setor acadêmico prefere o Google Scholar ao Google, sendo o setor corporativo o que menos utiliza o motor de busca acadêmico. No setor acadêmico, o Google Scholar é mais utilizado que o Google nos Estados Unidos e a maioria dos países da Europa, além do Brasil. Por outro lado, a África e Ásia preferem o Google, possivelmente por desconhecer sua contraparte acadêmica. Na China, o uso do Google é parcialmente restrito, sendo substituído pelo Baidu. Somados, Google e Baidu superam o Google Acadêmico naquele país. Analisando por disciplina, o Google Scholar é usado preferencialmente ao Google por acadêmicos das áreas de Ciências Sociais e Políticas, Psicologia, Medicina, Ciências da Vida, Ciências Ambientais, Educação, Ciências da Terra, Ciências da Computação, Economia e Finanças e Ciências Agrárias.

A pesquisa perguntou também aos entrevistados qual a proporção de artigos de periódicos os usuários acessam de diversas fontes. Analisando o setor acadêmico por faixa de renda de seus países, nota-se que sites de periódicos ou publishers, agregadores de texto completo ou coleções de periódicos são os mais frequentes, independente do perfil do país. Possivelmente programas como Hinari, Gift e Agora em países de baixa e média renda contribuem para este resultado. A seguir estão os repositórios institucionais, com maior frequência de uso por pesquisadores de países de alta renda, uma vez que seu uso requer que as instituições criem estes arquivos. O uso de repositórios temáticos, por outro lado, mostra-se independente do perfil do país dos usuários, por seu caráter mais global. Em igual proporção estão as mídias sociais acadêmicas como Researchgate, Mendeley ou Academia.edu. A alternativa de cópias de artigos enviadas por colegas ou pelo autor é utilizada em baixa proporção e em igual nível por países de diferentes perfis socioeconômicos. Isso indica que a busca por fontes abertas de literatura é uma prática comum, mesmo entre acadêmicos de países de alta renda, que presumivelmente contam com eficientes recursos de bibliotecas para acessar periódicos de acesso por assinatura.

O uso de dispositivos móveis como tablets e smartfones para buscar e ler artigos científicos vem aumentando nos últimos anos. A partir de 2012, os autores do estudo passaram a incluir no questionário perguntas sobre a frequência de seu uso. Em países de baixa renda, houve uma queda significativa no uso de desktops em favor de tablets e smartfones em 2015, em comparação com 2012, porém o uso de laptops permaneceu inalterado. Em países de alta renda, no entanto, a redução no uso de desktops em favor de dispositivos móveis foi de apenas 4%. Esta tendência reforça o uso crescente destes dispositivos em países de baixa e média renda para várias finalidades acadêmicas. Porém, esta tendência não se observa apenas no mundo em desenvolvimento. O setor médico em todo o mundo apresentou praticamente o mesmo comportamento frente à substituição de desktops por dispositivos móveis para acessar artigos de periódicos. Esta tendência vem fazendo com que sites de publishers e de periódicos ofereçam interfaces adequadas ao uso em tablets e smartfones. O uso de aplicativos em dispositivos móveis para acessar e ler artigos, entretanto, ainda é bastante restrito, sendo mais frequente em países de baixa e média renda e em áreas como a medicina.

Tendo em vista o número de usuários que apontaram os sites de periódicos ou publishers como principal fonte de consulta, a pesquisa perguntou aos entrevistados quais recursos nestes sites consideram úteis. Os resultados apontam que alertas do conteúdo do fascículo, que eram considerados relevantes em 2005 deixaram de sê-lo ao longo dos anos, atingindo o menor valor em 2015. Por outro lado, a indicação de artigos relacionados cresceu desde 2012. Links para referências, serviço de busca por tema ou autor e download de imagens também cresceram de importância desde 2012. Por outro lado, notícias, métricas a nível de artigo, e compartilhamento com redes sociais não atraem a atenção dos acadêmicos de maneira geral, ao contrário do esperado em função da popularidade das redes sociais no compartilhamento de informação sobre literatura científica.

Os resultados deste estudo e das edições anteriores indicam que há uma enorme diversidade na forma pela qual os usuários de diversos setores e áreas buscam e acessam literatura científica. Nota-se um denominador comum, entretanto, que é o conhecimento sobre as várias opções existentes a serviço dos usuários. Os esforços empreendidos por publishers e serviços de bibliotecas para aperfeiçoar os recursos de seus sites vem sendo reconhecidos, considerando o aumento de popularidade destas fontes. As tradicionais bases bibliográficas, entretanto, seguem sendo a mais importante fonte de consulta em praticamente todos os setores e áreas do conhecimento.
Nota

1. INGER, S. and GARDNER, T. Scholarly Journals Publishing Practice. Academic journal publishers’ policies and practices in online publishing. Fourth survey 2013. 2013. ISBN: online 978-0-907341-46-8; ISBN 978-0-907341-45-1. Available from: http://www.alpsp.org/Ebusiness/ProductCatalog/Product.aspx?ID=359
Referências

How Readers Navigate to Scholarly Content – 2008 Edition. Renew Training. 2012. Available from: http://www.amazon.com/dp/B009N23F94

INGER, S. and GARDNER, T. How Readers Discover Content in Scholarly Publications. Trends in reader behavior from 2005 to 2015. 2015. ISBN 978-0-9573920-4-5 Available from: http://www.simoningerconsulting.com/nar/how_readers_discover.html

INGER, S. and GARDNER, T. Scholarly Journals Publishing Practice. Academic journal publishers’ policies and practices in online publishing. Fourth survey, 2013. ISBN: online 978-0-907341-46-8; ISBN 978-0-907341-45-1. Available from: http://www.alpsp.org/Ebusiness/ProductCatalog/Product.aspx?ID=359

Survey Discovering Journals and Books 2015. Available from: http://sic.pub/discover


Lilian Nassi-Calò

Lilian Nassi-Calò é química pelo Instituto de Química da USP e doutora em Bioquímica pela mesma instituição, a seguir foi bolsista da Fundação Alexander von Humboldt em Wuerzburg, Alemanha. Após concluir seus estudos, foi docente e pesquisadora no IQ-USP. Trabalhou na iniciativa privada como química industrial e atualmente é Coordenadora de Comunicação Científica na BIREME/OPAS/OMS e colaboradora do SciELO.